quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

A vitória da oposição a Maduro e democracia na Venezuela





Recentemente a mídia noticiou a vitória da oposição venezuelana ao governo de Nicolás Maduro quanto à maioria dos assentos parlamentares venezuelanos, [1] um fato que, alinhado à recente derrota da linha política de Cristina Kirchner na Argentina [2], indica um princípio de decadência do poder ideológico esquerdista na América Latina.

Confesso que fiquei levemente surpreso com o resultado, mas não com algumas reações a ele vindo da linha esquerdista que apóia, mais ou menos, o governo do presidente Maduro. Conversando brevemente com um amigo meu sobre o evento na Venezuela, ele disse que "isso era o que se esperava de uma democracia". Dessa forma ele visivelmente sugeriu que haver vitória da oposição nas eleições venezuelanas era evidência (ou mesmo prova) contra as acusações de ditadura que vigoram contra o país. [3]

Mas será que meramente haver vitória da oposição em eleições é evidência suficiente (ou mesmo prova) de que há democracia em seu território? Me parece que não. Embora naturalmente relevante, a constatação de existência de uma ditadura não passa apenas pela eventual ocorrência ou não de vitória de uma oposição política ao governo supostamente autoritário havendo ainda outros dados, outros "sinais" que devem ser analisados antes que se chegue a uma conclusão. Exemplos clássicos de "outros sinais de ditadura" são imposições contrárias ao direito de ir e vir, forte controle da mídia e outros métodos para assegurar a continuação do poder [4].

Mais do que isso, é interessante notar que ser ou não ser uma ditadura pode ser uma simplificação "preto e branco" de uma situação que é, na realidade, gradualística havendo níveis diferentes de democracia que um governo poderá assumir. Na realidade parece que assim como podemos ter democracias mais fortes e outras mais fracas, também podemos ter ditaduras mais fortes (como a da Coréia do Norte onde há eleições praticamente "de mentirinha" [5]) e ditaduras mais brandas (como no caso da militar brasileira onde embora houvesse controle da mídia e perseguição aos ideologicamente opostos ao regime, não havia supressão ao direito de ir e vir).

Minha conclusão é que, quando isso é reconhecido e os fatos analisados, a Venezuela "já cruzou a linha de meio" e está mais para uma ditadura branda do que para uma plena democracia. Evidências disso estão espalhadas numa série de questões, como já apresentado em artigo anterior, incluíndo o próprio processo eleitoral que deu vitória à oposição recentemente. Isso porque, ao contrário do que alguns dos apoiadores do governo Maduro parecem sugerir, não basta haver um processo eleitoral capaz de permitir vitórias à oposição; é necessário que todo o processo eleitoral seja isento de forças favoráveis à vitória do governo atual. De fato, um processo eleitoral manipulado e fraudado para dar vitória ao partido governante e que, a despeito disso, tenha dado vitória à oposição é mais ditatorial do que um completamente isento de influências que tenha dado vitória ao partido atual.

E é precisamente nesta questão que o "argumento pela democracia da Venezuela da vitória da oposição" falha: a existência de várias denúncias de manipulação do processo eleitoral venezuelano realizada pelo governo em eventos anteriores (e que foram em muito anulados na eleição recente pelos esforços da oposição em garantir um processo eleitoral limpo) testifica, junto aos demais itens, da presença de uma ditadura sob Cháves-Maduro. Sobre isso escreveu Diogo Schelp na reportagem "Como a oposição driblou as fraudes e venceu a eleição na Venezuela" elaborada após acompanhar os eventos deste ano, cuja leitura eu recomendo.

Em resumo temos que longe da vitória da oposição nas eleições venezuelanas recentes ser evidência suficiente (ou mesmo prova) da existência de democracia na Venezuela, como uma análise simplista poderia sugerir, estas eleições, quando postas em contraponto às anteriores numa análise da maneira como foram conduzidas, consistem justamente em evidência favorável à existência de ditadura naquele país.


Que o Senhor seja com vocês,

Momergil


Leitura extra
  • Marinho, R. S. "A Venezuela é uma ditadura": Breves comentários sobre as ações recentes executadas por Maduro e o congresso venezuelano atual em resposta à derrota nas eleições mencionadas neste artigo

Referências
[1] Valor Econômico "Oposição tem vitória arrasadora na Venezuela" Disponível em [http://www.valor.com.br/internacional/4344478/oposicao-tem-vitoria-arrasadora-na-venezuela] Acessado em 08/12/2015
[2] ZH Notícias "Termina dinastia Kirchner, Argentina elege novo presidente" Disponível em [http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2015/10/termina-dinastia-kirchner-argentina-elege-novo-presidente-4886446.html] Acessado em 08/12/2015
[3] Momergil "As evidências de ditadura na Venezuela de Chávez-Maduro" Disponível em [http://momergil.blogspot.com/2015/07/as-evidencias-de-ditadura-na-venezuela.html] Acessado em 08/12/2015
[4] Em acordo com algumas das definições utilizadas para o conceito de "ditadura". Vide: English Wikipedia "Dictatorship" Disponível em [https://en.wikipedia.org/wiki/Dictatorship] Acessado em 08/12/2015
[5] Folha de S. Paulo "Coreia do Norte anuncia eleição com 100% dos votos para Kim Jong-un" Disponível em [http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2014/03/1423150-coreia-do-norte-anuncia-eleicao-com-100-dos-votos-para-kim-jong-un.shtml] Acessado em 08/12/2015


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sinta-se à vontade para comentar meus posts, lembrando que reservo-me o direito de excluir qualquer comentário realizado, especialmente se tiver afirmações inúteis, sem sentido ou demasiadamente ofensivas (não só para mim ou para o blog, mas para qualquer pessoa).